Por Sandoval Matheus
A jornalista Diangela Menegazzi, que faz parte da equipe de comunicação do Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro), estava na estrada, percorrendo os 17 quilômetros que separam as cidades de Laranjeiras do Sul e Rio Bonito do Iguaçu, quando o tempo fechou, a ponto de ela e os colegas precisarem encostar o carro, por segurança. Ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o Ceagro compõe o Comitê de Cultura do Paraná.
No perímetro urbano de Rio Bonito, sua colega, a dirigente do MST Jaqueline Baim, grávida de seis meses, também estava dentro de um veículo, saindo de uma farmácia, quando tudo começou balançar. Teve tempo apenas de proteger a cabeça enquanto os vidros explodiam com as rajadas de quase 330 quilômetros por hora do tornado que devastou a pequena cidade da região centro-sul do estado no fim da tarde de sexta-feira, 07. Quando ergueu os olhos de novo, o automóvel não estava no mesmo lugar.
A destruição quase total da cidade aconteceu em menos de um minuto. Deixou seis mortos e mais de 800 feridos. “Foi muito rápido. As pessoas dizem que é como uma bomba. Faz ‘bum!’, e quando você olha de novo não tem mais nada”, conta Diangela, que está em Brasília para o I Encontro do Programa Nacional dos Comitês de Cultura.
Ela chegou a Rio Bonito um pouco depois do tornado passar por ali. Por sorte, tinha parado com os amigos em um supermercado um pouco antes de o céu escurecer. “O dia de trabalho tinha sido bom, era sexta-feira, e todo mundo ia dormir na sede do Ceagro. Então, pensamos em comprar umas cervejas. Foi o que atrasou a gente.”
Antes mesmo de chegar na cidade, o rastro de postes e árvores caídas, a cobertura de um posto de gasolina arrancada e a movimentação de ambulâncias deixou todos ansiosos. “A gente falava “meu Deus, meu Deus, o que aconteceu?’.”
Mais à frente, a rodovia que corta Rio Bonito estava interditada, o que obrigou o carro a desviar e entrar efetivamente na cidade. “Pelas janelas, dava pra ver muita gente sangrando, casa destelhada. Em muitos lugares, nada ficou em pé”, lembra. “Todo mundo ficou mudo, em choque. Não dá pra acreditar que está acontecendo. É muito traumático. Quem vê, não esquece”, emociona-se.
A primeira atitude foi entrar em contato com Sylviane Guilherme, coordenadora do projeto do Comitê dentro do Ceagro, que estava em Curitiba, para cancelar o evento que aconteceria no dia seguinte na região, um seminário sobre comunicação e agroecologia. A meteorologia ainda previa um forte temporal na madrugada seguinte. Depois, tentar localizar os colegas, pra checar a situação de cada um. A essa altura, no entanto, não havia mais serviços de energia elétrica e internet.
“Foi um fim de semana infernal, de ansiedade, impotência. Eu assistia a tudo aquilo pela TV, mas não conseguia falar com ninguém”, diz Sylviane. A sede do Ceagro não chegou a sofrer grandes estragos, em parte por estar mais afastada do corredor por onde passaram os ventos, em parte por ser rodeada por uma densa área de Mata Atlântica. Ali, o responsável pelos serviços de manutenção da casa, um senhor conhecido como Seu Nego, tinha comentado na tarde de sexta-feira: “As galinhas estão subindo nas árvores. Quando elas fazem isso, é porque vem coisa muito feia”.
MST e reconstrução
Ao todo, cerca de oito mil famílias do MST, entre assentadas e acampadas, vivem na região de Rio Bonito do Iguaçu. Dessas, 350 foram severamente atingidas pelo desastre, principalmente nos acampamentos Herdeiros da Terra de Primeiro de Maio e Antônio Conrado, e no assentamento Ireno Alves.

Cozinha solidária do MST em Rio Bonito do Iguaçu. Crédito: Juliana Barbosa.
A mobilização começou logo depois da calamidade, ainda na noite de sexta. Os militantes logo se juntaram à organização da primeira cozinha solidária, para distribuir refeições à população. Pouco mais de uma semana depois, elas já são três e entregam quase 2,5 mil marmitas por dia. “É impressionante a capacidade organizativa do MST, de responder rapidamente e com eficiência mesmo nas piores situações”, assegura Sylviane.
Até agora, o movimento já distribuiu cerca de 500 cestas básicas, com a ajuda da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os trabalhadores rurais também compõem os esforços de reconstrução das casas. Por sua vez, a equipe de comunicação do Ceagro tem ampliado a cobertura da catástrofe. “Na TV, aparece muito a cidade propriamente dita, mas não se fala do entorno, do campo, dos agricultores”, pontua Sylviane.
A arrecadação de roupas, porém, foi interrompida pela militância. “Muita coisa chega sem nenhuma condição de uso, velha, estragada. E isso está criando mais um problema, porque é lixo, e a gente não tem onde armazenar”, reclama.
Brasília e reunião com o MinC

Sylviane Guilherme, do Ceagro. Crédito: Diangela Menegazzi.
Mesmo com Rio Bonito de Iguaçu em ruínas, a delegação do Ceagro (também formada pelo jornalista e cineasta Vino Carvalho) decidiu vir a Brasília e participar do Encontro Nacional dos Comitês. “Agora existe uma comoção muito grande, tem muita solidariedade, mas isso diminui conforme o tempo passa, e a gente precisa pensar a médio e longo prazo”, avalia Sylviane. De acordo com um levantamento do SOS Mata Atlântica, Rio Bonito do Iguaçu foi o município brasileiro que mais devastou Mata Atlântica de 1985 a 2015. “Não adianta reconstruir e voltar pra onde a gente estava, precisamos de uma mudança de mentalidade. E pra isso, de ações concretas.”
Na segunda, 17, o Ceagro se reuniu na capital federal com representantes do Ministério da Cultura. Uma comitiva da pasta deve visitar a região do tornado nas próximas semanas. Enquanto isso, o Centro de Desenvolvimento Sustentável e Agroecologia fará o mapeamento de artistas e estruturas culturais da área, encaminhando a participação deles em editais de bolsas e prêmios. Em breve, o plano de trabalho do Comitê do Paraná deve ser redefinido e se voltar para a recuperação dos locais atingidos.
No longo prazo, Sylviane diz que é preciso pensar em como as políticas públicas culturais podem ajudar a conter a crise climática. “Hoje, foi numa região imediata de atuação do Comitê, mas isso vai acontecer em outros lugares, e cada vez mais”, prevê. “O próprio programa agrário do MST é um programa cultural, de relação com a natureza, de como olhar para a terra como bem comum, e não como mercadoria”.