Parte do Coletivo de Comunicação da 22ª Jornada de Agroecologia no penúltimo dia do evento em Curitiba, em agosto de 2025. Foto: Erica Fernanda
Por Coletivo de Comunicação da 22ª Jornada de Agroecologia e Comitê de Cultura do Paraná*
É preciso um mutirão para promover a agroecologia e enfrentar a crise ambiental. Por Vida, Justiça Social e Soberania dos Povos, mais de 600 pessoas compuseram as equipes de trabalho para a realização da 22ª Jornada de Agroecologia. A Jornada, um dos maiores encontros de agroecologia do país, foi realizada de 6 a 10 de agosto no Campus Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba (PR).
Mutirão vem de motyrõ, da língua tupi, e significa trabalho em comum. Se nas comunidades do campo, das águas e florestas a solidariedade se expressa no trabalho coletivo de cultivo da terra e partilha de sementes, na comunicação popular ela se realiza na construção colaborativa de narrativas. Estas denunciam a opressão e as desigualdades, muito decorrentes da concentração fundiária, e anunciam um projeto de sociedade baseado na produção de alimentos saudáveis, na justiça social e no enfrentamento da crise ambiental e climática.
Com música, arte, gritos de ordem, faixas, estandartes, cartazes, uma marcha coloriu o centro de Curitiba e marcou a abertura da 22ª edição da Jornada de Agroecologia, no dia 6 de agosto de 2025. Fotos: Leandro Taques
Na 22ª Jornada de Agroecologia do Paraná, promovida por mais de 60 coletivos, movimentos populares, cooperativas, comunidades indígenas, quilombolas e da reforma agrária, somaram-se cerca de 50 comunicadoras e comunicadores de diferentes regiões do Paraná, formando um grande coletivo que traduziu em palavras, imagens e sons a luta pela terra e pela vida.
Esse trabalho em comum da comunicação popular resultou, nas redes sociais, em mais de 280 conteúdos produzidos, que tiveram mais de 2,3 milhões de visualizações e mais de 100 mil pessoas interagindo. No site do evento, 40 matérias em texto foram postadas e dez releases foram enviados à imprensa. Desses conteúdos, destaca-se a estreia do Jornada em Rede, um programa de entrevistas para qualificar o debate sobre Agroecologia, e a edição especial impressa do Jornal Brasil de Fato Paraná, com tiragem de 9 mil exemplares distribuídos de mão em mão em várias partes do estado.
Nove mil exemplares da edição especial do jornal Brasil de Fato Paraná sobre a Jornada de Agroecologia foram distribuídos de mão em mão em várias partes do estado. Foto: Arquivo Jornada de Agroecologia
Esse esforço de mutirão se torna ainda mais relevante diante da poderosa maquinaria cultural e comunicacional construída pelo agronegócio nas últimas décadas. Slogans como “Agro é tudo” e a difusão de ritmos como o agronejo moldam percepções e tentam naturalizar um modelo de produção insustentável. Frente a esta avalanche é que a comunicação popular agroecológica resiste e cria imagens, sons e histórias, mostrando que há quem plante sem veneno, que há povos defendendo a terra, que a diversidade cultural e biológica é riqueza e não obstáculo.
Imagens de diferentes momentos da 22ª Jornada de Agroecologia buscam atos, sons e histórias de quem defende a terra rica em diversidade. Fotos: Lia Bianchini, Wellington Lenon e Diangela Menegazzi.
Comunicação não apenas como ferramenta, mas como processo
A comunicação popular, nesse contexto, não é apenas uma ferramenta para divulgar atividades, como sintetiza Franciele Petry Schramm, comunicadora da Terra de Direitos e integrante do Coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia: “a comunicação popular e agroecológica expressa um projeto de sociedade”.
Franciele Petry Schramm, da Terra de Direitos e do Coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia: “a comunicação popular e agroecológica expressa um projeto de sociedade”. Foto: Diangela Menegazzi – Comitê de Cultura do Paraná
Essa perspectiva é compartilhada por Ednubia Ghisi, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e também integrante do Coletivo. Segundo ela, a comunicação popular durante a Jornada de Agroecologia expressa um pouco do esforço das pessoas saírem das “caixas” que o capitalismo inventou, recombinando o que foi separado, como as formas de organização, produção e partilha.
“Ajuda a gente a fortalecer a nossa convicção de que é possível transformar de forma estrutural a sociedade em que a gente vive, tão desigual, tão injusta. E que a gente sabe que não será transformada com cada um fazendo só o seu, ou cada organização fazendo só o seu. Mas sim que precisa ser feito pelo conjunto da classe trabalhadora, pelo conjunto de pessoas que estão preocupadas com o futuro do planeta”, destaca.
Conferência “Jornadas em Luta”, um dos destaques da programação da 22ª Jornada de Agroecologia, trouxe para o debate a realização do plebiscito popular que aborda a redução das jornadas de trabalho, fim da escala 6×1 e taxação dos super ricos foi destaque. Foto: Guilherme Araki
Essa concepção se concretiza no modo como o trabalho colaborativo é organizado durante a Jornada. Juntas as pessoas se organizam de acordo com suas possibilidades e habilidades, e contribuem a partir das Frentes de Texto e Assessoria de Imprensa, Áudio e Jornada em Rede, Audiovisual, Redes Sociais, Design e Fotografia.
As frentes buscam desenvolver estratégias no pré, durante e pós jornada. “Quando você, por exemplo, vê um card no Instagram ou recebe uma chamada no WhatsApp, ou um vídeo, isso tudo envolve um trabalho muito grande e coletivo de uma série de pessoas que estão envolvidas e ajudando a construir esse coletivo”, explica Franciele Petry Schramm.
Trocas, aprendizados e afetos na sala do Coletivo de Comunicação da 22ª Jornada de Agroecologia. Fotos: Diangela Menegazzi e Vino Carvalho – Comitê de Cultura do Paraná
O trabalho em rede, como reforça o professor de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Elson Faxina, é um trabalho pequeno, mas com sentido grandioso. “Cada um faz um pouquinho, só que nós não estamos fazendo uma ‘comunicaçãozinha’ da Agroecologia, estamos transformando o pensamento brasileiro do agronegócio para o agroecológico. Com esse pouco a gente tá ajudando a transformar o pensamento no Brasil”, sintetiza.
Da esquerda para direita: Ednubia Ghisi, Gustavo Souza, Franciele Petry e Elson Faxina no primeiro episódio do Jornada em Rede. Foto: Murilo Bernardon
Desse modo, para o Coletivo de Comunicação da Jornada, os produtos e materiais de divulgação são importantes, mas fundamental também é o processo de organização em si. Esse movimento articula conhecimentos, habilidades, trocas e construção, pois permite que novas pessoas se integrem, aprendam e partilhem seus olhares. Esse sentido de construção coletiva, para disputar narrativas diante do monopólio midiático do agronegócio, aparece nos depoimentos de quem participou pela primeira vez da cobertura.
Para Alice Ernsen, estudante de Jornalismo, a experiência foi motivadora. “Foi uma honra participar da Jornada. Conhecer novas áreas, pessoas, culturas, tudo incluso nesse projeto, rico em diversidade. Conhecer como funciona uma redação também foi incrível, aprendi muito com as pessoas que estavam trabalhando lá. Nunca esquecerei do jeito profissional com que as pessoas me tratavam ao ver que era fotógrafa oficial da equipe, é uma sensação de pertencimento tremenda, sinto que escolhi a profissão certa depois da Jornada da Agroecologia.”
Já Gustavo Souza, do Núcleo de Comunicação e Educação Popular da Universidade Federal do Paraná (NCEP UFPR), relaciona a prática do mutirão de comunicação com a própria proposta da extensão universitária. “A gente pensa onde a gente pisa. Então a gente vai, por exemplo, para penitenciárias, comunidades, trabalha com as populações, trabalha com elas para que elas façam por elas. A gente não chega numa comunidade e quer dar voz, a gente trabalha com pessoas que já têm voz. Essas pessoas têm demanda, têm uma vida, já estão na luta delas. O que a gente faz é chegar com nosso conhecimento da universidade, acadêmico, para ajudar a ampliar a voz que as pessoas têm. A gente ensina, mas também aprende muito com as parcerias e comunidades.”
Programa Jornada em Rede
Jornada em Rede. Foto: Diangela Menegazzi – Comitê de Cultura do Paraná
Um dos recém colhidos frutos dessa articulação em rede é a realização do Jornada em Rede. Um programa de rádio, disponível no YouTube e Spotify, realizado durante a própria Jornada, que nasceu de um sonho do grupo de ter um produto de mais qualidade no formato de áudio.
O Jornada em Rede tem até agora nove episódios, um produzido antes da jornada e oito durante esta 22a edição, sendo um deles uma entrevista especial com Leonardo Boff. Um dos vídeos dessa conversa que alimentou as redes sociais teve mais de 125 mil visualizações. Ao todo, foram 18 pessoas entrevistadas, e sete pessoas envolvidas na produção dos episódios. Um destaque também está na parceria com o Sindicato dos Bancários para produção de um episódio sobre Justiça Tributária e Agroecologia.
A produção é coletiva e tem a parceria de veículos e organizações como Brasil de Fato Paraná, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Terra de Direitos, Agência Escola da UFPR, Núcleo de Comunicação e Educação Popular da UFPR (NCEP) e Sindicato dos Bancários. “Esse programa é muito especial, pois é um símbolo desse esforço de trabalho em rede e que dá nome ao programa”, afirma Franciele Petry Schramm, uma das idealizadoras da iniciativa.
O programa de rádio, disponível no YouTube e Spotify, foi realizado durante a própria Jornada, e nasceu de um sonho do grupo de ter um produto de mais qualidade no formato de áudio. Foto: Arquivo Jornada de Agroecologia
Uma Rede de Comunicadores Populares pela Agroecologia no Paraná
Ao longo dos últimos meses, tem se fortalecido no Paraná um movimento pela comunicação agroecológica a partir da aliança entre movimentos populares, organizações, universidades, estudantes, professores, pesquisadores e coletivos com a realização do Seminário de Comunicação e Agroecologia do Paraná. Até agora, duas edições foram realizadas, em novembro de 2024 e maio de 2025.
O espaço tem se consolidado como momento de estudo, organização e articulação de uma Rede de Comunicadoras e Comunicadores pela Agroecologia no Paraná, havendo retroalimentação entre os seminários e a organização para a cobertura colaborativa da Jornada. Nos seminários, estudo, discussão e articulação; na Jornada, o grupo põe a mão na massa da comunicação agroecológica.
A realização dos seminários faz parte do projeto Bem Viver, realizado a partir de convênio entre o Instituto Latino Americano de Agroecologia Contestado (ICA) e a Itaipu Binacional. Outras duas edições estão previstas para ocorrer até 2026.
Imagens do primeiro e segundo seminários de Comunicação e Agroecologia. Fotos: Arquivo Coletivo de Comunicação Jornada de Agroecologia e Vino Carvalho
“A gente fala dessa rede há mais de dez anos, em diferentes contextos, como no Curso de Comunicação Popular [atividade realizada em três edições na cidade de Curitiba na primeira metade dos anos 2010]. Sempre foi um sonho. Mas vivemos uma ruptura muito grande nesse processo: o golpe de 2016 e, depois, a avalanche de ataques à democracia e aos direitos humanos colocaram a pauta do direito à comunicação em segundo plano, porque precisávamos lutar pelo básico, pela própria democracia”, contextualiza Ednubia Ghisi do Coletivo de Comunicação do MST Paraná.
Registro do 3o Curso de Comunicação Popular do Paraná realizado em 2015, em Curitiba. Foto: Franciele Petry Schramm
Agora, segundo ela, vivemos um outro momento, uma janela que se abre novamente. “A comunicação sempre refletiu as condições políticas e econômicas do país, e hoje sinto que estamos num terreno fértil. Essa semente da rede germinou, já tem broto pra fora, e se alimenta também do sonho antigo de tantas pessoas e comunicadores populares que vieram antes de nós”, reflete.
Essa semente também tem chegado às novas gerações. Para quem se aproxima agora da agroecologia, a experiência da Rede aparece como descoberta e encantamento. Como relata a estudante do primeiro ano do curso de Jornalismo da UFPR Maria Fernanda Costa da Silva:
“Quando entrei na faculdade esse ano, não tinha contato nem conhecimento sobre a agroecologia e comunicação popular. Em maio tivemos a oportunidade de participar do seminário de comunicação popular e agroecologia como NCEP UFPR, onde conhecemos e discutimos sobre agroecologia e como fazer comunicação popular. Foram dias incríveis que me apresentaram uma nova visão de mundo muito relevante e impressionante. Assim me aproximei da Jornada de Agroecologia e da Rede de Comunicadores, participando da Jornada pela primeira vez esse ano. Foi uma experiência maravilhosa poder me envolver contribuindo para a crescente da Rede de Comunicação”, relata.
Mateus Machado e Maria Fernanda Costa da Silva durante o 2o Seminário de Comunicação e Agroecologia, em maio de 2025, na Lapa (PR). Foto: Vino Carvalho – Comitê de Cultura do Paraná.
A retomada do movimento pela comunicação popular conecta a experiência atual com um histórico de lutas no Paraná, como a Conferência Estadual de Comunicação, em 2009, a primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), e a Frente Paranaense pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão (Frentex). Neste 2025, será realizado o 5º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, entre os dias 8 e 10 de setembro, em Fortaleza (CE). O evento é um espaço de diálogo e avanço na mobilização pela democracia nas comunicações, regulação de plataformas e soberania digital.
“Há um movimento crescente na sociedade no reconhecimento da centralidade da comunicação nas relações, nas estruturas de poder e mesmo para a efetivação dos demais direitos. A cada momento temos exemplos dessa direta associação entre comunicar e defender direitos, como foi no recente debate sobre regulação das plataformas como meio de proteção integral às crianças e adolescentes. Assim, o debate sobre direito humano à comunicação não é restrito aos profissionais da área. Conectar então a defesa da reforma agrária popular, do direito à alimentação saudável, ao meio ambiente equilibrado e ao trabalho digno – alguns dos pilares da agroecologia, com a comunicação, como o coletivo de comunicação da Jornada busca fazer, é um caminho necessário para consolidar a democracia”, contextualiza Lizely Borges, coordenadora de Comunicação da Terra de Direitos, integrante do coletivo Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom) e do coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia.
A história da luta pelo direito à Comunicação e ao movimento pela comunicação popular no Paraná se entrelaça com a própria prática da comunicação colaborativa, tal como experimentada no Fórum Social Mundial (FSM), como lembra João Paulo Mehl, hoje coordenador do Comitê de Cultura do Paraná, projeto que se soma em apoio à 22a Jornada de Agroecologia.
Segundo ele, nos anos 2000, ativistas, midialivristas e comunicadores se viram diante do desafio de cobrir um evento massivo e plural sem depender da grande mídia, que frequentemente distorcia ou invisibilizava suas pautas. “Dessa necessidade nasceu um modelo em rede, horizontal e autogestionado, que compartilhava infraestrutura, recursos e conteúdos para amplificar vozes marginalizadas. Uma prática solidária que se tornou marca fundamental do próprio lema: ‘Um Outro Mundo é Possível’”, relembrou.
Comunicação e cultura
A agroecologia não se limita à produção de alimentos saudáveis. Ela também integra culturas, identidades e modos de vida que florescem nos territórios: músicas, poesias, danças, sotaques, rezas e espiritualidades expressam a diversidade que sustenta o movimento.
Quando a comunicação e a cultura popular são assumidas como bens comuns, tornam-se instrumentos de criação de narrativas próprias, que se contrapõem ao discurso hegemônico da mídia comercial e fortalecem a agroecologia como um projeto de futuro.
Sylviane Guilherme, integrante do Comitê de Cultura do Paraná, que desenvolve ações em parceria com o Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro) no âmbito dos territórios de Reforma Agrária, lembra que a organização coletiva da comunicação colaborativa constitui-se como “uma outra cultura de organização popular, capaz de romper com modelos hierárquicos e afirmar práticas horizontais de partilha e construção de saberes”.
Ela aponta que essa lógica também se expressa na produção agroecológica e no preparo da comida, que revelam uma cultura alimentar popular voltada à coletividade, à ancestralidade e à sustentabilidade dos modos de vida.
“Quando essas práticas se encontram com as diversas linguagens artísticas produzidas em diálogo com a agroecologia, emerge uma cultureza: um território simbólico e sensível no qual não há fronteira entre cultura e natureza, mas sim uma trama viva de interdependências”, conclui.
Cultureza: um território simbólico e sensível no qual não há fronteira entre cultura e natureza, mas sim uma trama viva de interdependências. Fotos: Brenda Luiza, Lia Bianchini, Pietra Spindola, Vino Carvalho e Quiara Camargo
* O Comitê de Cultura do Paraná, por meio da parceria com o Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro), soma-se ao Coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia e ao movimento de construção da Rede de Comunicadores Populares pela Agroecologia no Paraná.
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